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sábado, 5 de janeiro de 2013

MODO DE TIRAR O OURO DAS MINAS DO BRASIL E RIBEIROS DELAS, OBSERVADO DE QUEM NELAS ASSISTIU COM O GOVERNADOR ARTUR DE SÁ

Porei aqui a relação que o mesmo autor me mandou e é a seguinte. Conforme as disposições que vi pessoalmente nas minas de ouro de São Paulo, assim nas lavras de água dos ribeiros, como nas da terra contígua a eles, direi brevemente o que pode bastar, para que os curiosos indagadores da natureza mais facilmente conheçam em suas experiências que terra e que ribeiro podem ter ouro. Primeiramente, em todas as minas que vi e em que assisti , notei que as terras são montuosas, com cerros e montes que se vão às nuvens, por cujos centros correndo ribeiros de bastante água, ou córregos mais pequenos, cercados todos de arvoredo grande e pequeno, em todos estes ribeiros pinta ouro com mais ou menos abundância. Os sinais por onde se conhecerá se o têm, são não terem areias brancas à borda da água, senão uns seixos miúdos e pedraria da mesma casta na margem de algumas pontas dos ribeiros, esta mesma formação de pedras leva por debaixo da terra. E começando pela lavra desta, se o ribeiro depois de examinado com socavão faiscou ouro, é sinal infalível que o tem também a terra, na qual, dando e abrindo catas e cavando - a primeiro em altura de dez, vinte ou trinta palmos, em se acabando de tirar esta terra, que de ordinário é vermelha, acha-se logo um pedregulho, a que chamam desmonte, e vem a ser seixos miúdos, com areia, unidos de tal sorte com a terra, que mais parece obra artificial do que obra da natureza; ainda que também se acha algum desmonte deste solto e não unido, e com mais ou menos altura. Esse desmonte rompe-se com alavancas, e se acaso tem ouro, logo nele começa a pintar, ou (como dizem) a faiscar algumas faíscas de ouro na bateia, lavando o dito desmonte. Mas, ordinariamente, se pintou bem o desmonte, é sinal que a piçarra terá pouco ou nenhum ouro, e digo ordinariamente, porque não há regra sem exceção.

Tirado fora o desmonte, que às vezes tem altura de mais de braça, segue-se o cascalho, e vem a ser uns seixos maiores e alguns de bom tamanho, que mal se podem virar, e tão queimados que parecem de chaminé. E, tirado este cascalho, aparece a piçarra, ou piçarrão, que é duro e dá pouco, e este é barro amarelo ou quase branco, muito macio, e o branco é o melhor, e algum deste se acha que parece talco ou malacacheta, a qual serve de cama aonde está o ouro. E, tomando com almocafres nas bateias esta piçarra, e também a terra que está entre o cascalho se vai lavar ao rio, e, botando fora a terra com a mesma bateia, andando com ela à roda dentro da água pouco a pouco, o ouro (se o tem) vai ficando no fundo da bateia até que, lavada toda a bateia a terra, pelo ouro que fica, se vê de que pinta é a terra.

Alguma terra há que toda pinta, outra só em partes e a cada passo se está vendo que as catas em uma parte pintam bem em outros pouco ou nada. Já se a terra tem veeiro, que é o mesmo que um caminho estreito e seguido, por onde vai correndo o ouro, certamente não pinta pelas mais partes da cata e se vai então seguindo o veeiro atrás do ouro, veeiros onde se encontram a grandeza e é sinal de que toda a data da terra, para onde arremete o veeiro, tem ouro. As catas ordinárias, que se dão em terra, são de quinze, vinte e mais palmos em quadra, e podem ser maiores ou menores, conforme dá lugar na terra. E se junto dos ribeiros a terra faz algum tabuleiro pequeno (porque ordinariamente os grandes não provam bem) esta é a melhor paragem para se lavrar. Posto que o comum do ouro é estar ao livel da água, vi muitas lavras (e não das piores) que não guardam esta regra, senão que ao ribeiro iam subindo pelos outeiros acima, com todas as disposições que temos dito, de cascalho, etc., mas não é isto ordinário.

Até aqui o que toca às lavras da terra junto da água; porém as dos ribeiros, se eles são capazes de se lhes poder desviar a água, se lavram divertindo esta por uma banda do mesmo ribeiro, com cerco feito de paus mui direito, deitados uns sobre outros com estacas bem amarrados, feito em forma de cano por uma e outra parte, para que se possa entupir de terra por dentro, do modo que aqui se vê:

Isto se entende quando se não pode desviar todo o ribeiro para outra parte, para o que raras vezes dão lugar os cerros. Divertida e esgotada a água com as bateias ou cuias, se tira o cascalho ou seixos grandes e pequenos que na água não é mui alto e se dá com a piçarra; vê-se se o ouro demanda para a terra depois de lavada a cata e se busca a terra, entrando por ela e vai se seguindo e abrindo catas umas sobre outras. E, ordinariamente, se deve provar sempre em primeiro lugar o ribeiro dentro da madre antes de lavrar na terra com mais ou menos abundância. E muitas vezes sucede (como se viu nas mais das lavras de Sabará-buçu) que, pintando mui pouco na água ou madre, em muitas lavras fora da água se deu com muito ouro.

Portanto, para se examinar se um ribeiro tem ouro, vendo-lhe as disposições que temos dito entre a água e a terra, se dará um socavão de sete ou oito palmos em quadra até chegar ao cascalho e piçarra; e se faiscar é sinal que, em terra e na água, há ouro e pelas pintas destes socavãos se conhecerá se são de rendimento. Nem nestas minas se repartem ribeiros sem serem primeiro examinados com estes socavãos junto da água. Nos ribeiros, onde há areia pelo meio e a não há nas barranceiras, também se acha ouro, havendo cascalho; assim também nos ribeiros, onde há areia por entre pedras, se acha. O esmeril acha-se com areia preta entre o ouro, e em qualquer parte que se acha esmeril, tendo o ribeiro cascalho, há ouro.

Quando o ouro corre em veeiro, de ordinário corre direito do ribeiro para a terra adentro, e no mesmo ribeiro, se suceder acharem-se muitos veeiros, serão distantes uns dos outros; e suposto que perto do veeiro se acha formação, contudo, só no veeiro se acha mais ouro. Também se acham muitos seixos com granitos de ouro.

Estas são algumas das cousas que se podem dizer destas minas, para que se possa por aqui fazer exame em alguns ribeiros aonde se suspeita que haverá ouro. Não deixarei, contudo,de referir aqui também o que vi no famoso rio das Velhas, porque parece fora de toda regra do mineral. Em uma península que da terra entra no rio quase até o meio, em que com as cheias fica toda coberta de água, vi lavrar dois córregos pequenos junto da água, os quais, abrindo-se com alavancas, eram todos de um piçarrão duro e claro, e por entre ele, sem se ir lavar ao rio, foi tal a grandeza do ouro de que estavam cheios, que se estava vendo em pedaços e granitos nas mesmas bateias. E bateada houve em que se tiravam cada vez quarenta, cinqüenta e mais oitavas, sendo as ordinárias, enquanto se lavram , de oito e mais oitavas. Ainda que lavrando-se depois pela terra adentro na mesma península, foi diminuindo cada vez mais a pinta e foram logo aparecendo as disposições todas que temos dito, de terra, desmonte, cascalho e piçarra, que não há regra, como já disse, sem exceção , e muitas vezes não dá com ouro quem mais cava, senão quem tem mais fortuna. Também se acha muitas vezes uma disposição de desmonte que se chama tapanhuacanga, que vale o mesmo que cabeça de negro, pelo teçume das pedras, tão duro que só a poder de ferro desmancha, e não é mau sinal, porque muitas vezes o cascalho que fica embaixo dá ouro.

De algumas particularidades mais destas minas, por serem menos essenciais, não falo, e porque são mais para se verem do que para se escreverem, e estas são as que bastam para o intento dos que, ou por curiosidade, ou para acertar na lavra, as procuram.

(ANTONIL, André João. Cultura e opulência do Brasil)

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